Leitor(a), não sei até que ponto você teve tempo de observar alguns fenômenos naturais, de forma empírica mesmo. Talvez se lembre, de quando criança, brincar em alguma cadeira giratória, ou constatar - talvez da pior forma possível - que é mais fácil se equilibrar em uma bicicleta quando se está andando do que com ela parada. Talvez também tenha tido a oportunidade de ver uma apresentação de balé e ver que o dançarino, ao abrir os braços, diminui a "velocidade" do seu giro; no ano novo, talvez tenha viajado para o litoral e tentou adivinhar o momento certo para pular a sétima onda, ou simplesmente deitou e observou o céu noturno por horas.
Também nem precisa ir muito além: Você já conferiu as horas hoje? Ou procurou saber a localização de algum "@"? Ligou um interruptor? Escutou sua música favorita? Fez agachamentos ao exercitar? Bom, certeza eu tenho que seu coração continuou batendo em um "ritmo", e também que você continuou respirando periodicamente ao ler esses parágrafos.
Você pode se perguntar então, o que o movimento dos enormes astros, os sons que eu escuto, a minha respiração, o movimento dos elétrons, etc., tem a ver com Movimento Circular? Bom, mais do que você imagina. Não é a toa que os filósofos naturais do século XVII consideravam-no como o "movimento perfeito".
Grandezas e vetores
Antes de tecermos todo este debate qualitativo, vamos ter que fazer um trato para empacotarmos nossa bagagem. Vamos fazer uma síntese rasa sobre as grandezas escalares e grandezas vetoriais - que eu acho que os estudantes do ensino médio estão cansados de estudar.
Grandezas físicas são determinadas propriedades de um evento natural que podemos medir. A exemplo, a velocidade de um carro, a intensidade de uma luz, a massa de um saco de arroz, etc. Essas grandezas podem ser "totalmente entendidas" somente por uma quantidade e uma unidade de medida. Quando perguntamos a temperatura do dia, ou pedimos um copo d'água, mais 5 minutos de cochilo, 2 kg de ração de gato, um 'litrão' de Brahma (inclusive quem se sujeitar a isso tem meus parabéns), são questionamentos e pedidos que são completamente compreendidos sem deixar dúvidas sobre a famosa pergunta: "Pra onde?", e quando isso ocorre, essas grandezas são chamadas de escalares.
Pois bem, esse "pra onde?" é a pergunta que gera a cisão entre as grandezas escalares e as vetoriais. Enquanto as grandezas escalares precisam apenas da sua quantidade e unidade de medida, as grandezas vetoriais necessitam obrigatoriamente, além da quantidade e unidade de medida, de uma direção e sentido. Se você me diz que um Peugeot 206 passou a mais de 100 km/h - fora eu lhe dizer que é inacreditável - lhe perguntarei para onde ele foi, em qual sentido e direção. Isso vale para grandezas como posição, deslocamento, força, aceleração, e suas derivadas.
Essa explanação serve para mudarmos a forma de tratamento dessas grandezas que veremos adiante. Em contraste com a Cinemática, onde estuda-se os movimentos sem se preocupar com suas causas, que usa da posição, velocidade e aceleração de forma escalar, para estudar o Movimento Circular Uniforme, precisamos tratá-las como elas realmente são: grandezas vetoriais!
Um adendo necessário: vetores são entes matemáticos que estão inseridos em um espaço vetorial. Estamos acostumados a achar que vetores são letrinhas e setas. Bom, a "seta" é uma representação deste elemento, mas existem outras formas. Funções e matrizes são exemplos de "vetores", porém, essa discussão fica para outro texto (ou para os desafortunados matriculados em Álgebra Linear).
Uniformes e não uniformes
Velocidade vetorial
Agora o quadro da situação muda um pouco. Vamos primeiro revisar o que se entende por espaço, velocidade e aceleração na cinemática escalar. Bom, o espaço percorrido é a medida de comprimento do espaço que o corpo realizou, o famoso $\Delta S$ (lembrando que o $\Delta$ simboliza uma subtração das variáveis, então, $\Delta S = S_f - S_i$).
A velocidade média escalar é definida como a divisão entre o espaço percorrido por um determinado período de tempo. $v = \frac{\Delta S}{\Delta t}$. E, sua aceleração escalar é também definida como a variação da velocidade em um determinado período de tempo $a = \frac{\Delta v}{\Delta t}$.
Para estudarmos o MCU - o movimento circular uniforme, não o universo cinematográfico da Marvel - devemos usar grandezas vetoriais, que possuem módulo, direção, e sentido. Módulo é a quantidade numérica da grandeza.
Precisamos então introduzir o conceito de deslocamento. Ao contrário do espaço percorrido $\Delta S$, o vetor deslocamento $\vec d$ é o vetor com origem no ponto inicial e extremidade no ponto final do movimento. As vezes $\Delta S$ e $\vec d$ coincidem, mas eles começam a contrastar em determinados tipos de movimento, como os movimentos circulares.
Agora, por exemplo da imagem acima, se um objeto realiza sua trajetória representada pela linha laranja, $\Delta S$ é o comprimento dessa trajetória, enquanto $\vec d$ é a menor distância entre os pontos finais e iniciais.
Precisamos diferenciar espaço percorrido e deslocamento pois a definição de velocidade e aceleração vetoriais contrastam em relação as escalares:
$$ v = \frac{\Delta S}{\Delta t} \rightarrow escalar $$
$$ \vec v = \frac{\Delta \vec d}{\Delta t} \rightarrow vetorial $$
$$ a = \frac{\Delta v}{\Delta t} \rightarrow escalar $$
$$ \vec a = \frac{\Delta \vec v}{\Delta t} \rightarrow vetorial $$
Ficou ainda difícil de ver na prática né? Vamos a um exemplo. Considere que um corpo em velocidade constante e em movimento circular, completa sua trajetória após mover-se em meia circunferência em $t$ segundos. Qual a sua velocidade escalar $v$ e qual o módulo $\left | \vec v \right | $?
Vamos começar pela velocidade escalar. Ela é definida pela distância percorrida em no período de tempo determinado, $t$ segundos. Qual a distância percorrida? Meia circunferência! Devemos relembrar o comprimento de uma circunferência, que é igual a $2\pi r$, então, a sua metade é $\pi r$:
$v = \frac{\Delta S}{\Delta t} = \frac{\pi r}{t} \space m/s$
Agora, o módulo da velocidade vetorial é dado por $\left | \vec v \right | = \frac{\left | \vec d \right |}{\Delta t}$. O módulo de $\vec d$ é a quantidade que representa a menor distância entre os pontos finais e iniciais. Nesse caso, é o diâmetro da circunferência, ou seja, $2r$. Então:
$\left | \vec v \right | = \frac{2r}{t} \space m/s$
Ficou mais claro a diferença? A velocidade escalar $v = \frac{\pi r}{t}$ é diferente do módulo da velocidade vetorial $\left | \vec v \right | = \frac{2r}{t}$. Tratamos da diferença do módulo - a parte quantitativa do vetor. Mas e quanto a direção e sentido? Tá aí uma boa pergunta.
Vamos desmembrar o nosso vetor velocidade $\vec v$:
$$ \vec v = \frac{\vec d}{\Delta t} $$
perceba que o vetor velocidade $\vec v$ é proporcional a outro vetor, o vetor deslocamento $\vec d$. Perceba também que $\Delta t$ é uma medida de tempo, e tempo é uma grandeza escalar. Ajeitando um pouco a equação anterior para ficar melhor de visualizar, temos:
$$ \vec v = \left ( \frac{1}{\Delta t} \right ) \cdot \vec d $$
ou seja, temos um número, um escalar, multiplicando um vetor. Se bem lembrarmos das operações que podemos fazer com vetores, quando temos um vetor $\vec b = n \cdot \vec a$, sendo $n$ um escalar qualquer - como $\frac{1}{\Delta t}$ no nosso caso - o vetor $\vec b$ terá como módulo a multiplicação do módulo de $\vec a$ por $n$, mas manterá o mesmo sentido e direção do vetor $\vec a$.
Portanto, o nosso vetor velocidade $\vec v$ tem a mesma direção e mesmo sentido do vetor deslocamento $\vec d$.
Precisamos fazer um adendo importante. A velocidade vetorial que calculamos no exemplo acima foi considerado uma trajetória grande - meia circunferência - e em um período de tempo maior do que $0$, então, temos que destacar que isso é a velocidade vetorial média. Há como saber a velocidade vetorial instantânea em uma trajetória, pois assim, conseguiremos saber o módulo, direção e sentido dela em cada ponto da trajetória. Como fazer isso?
Bom, uma maneira de fazer isso é pegarmos um intervalo de tempo $\Delta t$ muito menor. Mas tão muito menor que ele se aproxima de 0. Ou seja, $t_i$ e $t_f$ (tempo inicial e tempo final, respectivamente) devem ser quase iguais (se precisar, relembre a discussão feita na segunda seção do texto). $1$ segundo pode ser um bom $\Delta t$? Bom ele é, mas a gente sabe que pode ser menor né? Pode ser $0,01$; $0,0001$; mas pode ser ainda menor, como $0,0000\text{... infinitos ...}1$. Vocês já viram onde eu quero chegar né? Quando $\Delta t$ é muito próximo de $0$, temos o nosso "instante".
E quanto ao deslocamento $\vec d$? Bom, como o tempo decorrido é minúsculo, podemos ver que o móvel também vai andar uma trajetória minúscula, certo? Esta distância $\Delta S$ é tão pequena que quando olhamos de perto a trajetória se aproxima de uma linha reta (próxima figura), ou seja, o deslocamento $\vec d$ e a distância $\Delta S$ coincidem; e $\vec d$ tem a mesma direção e sentido desta parte minúscula e retilínea da trajetória.
Então, podemos dizer que o vetor deslocamento $\vec d$ em cada instante é sempre tangencial à trajetória. E como vimos, o vetor velocidade $\vec v$ instantâneo também tem mesma direção e sentido de $\vec d$, então, ele é também tangencial a trajetória (como na imagem acima). Mas lembre-se, isso só acontece quando $\Delta t$ é minúsculo, no limite de $0$. Podemos até representar como:
$$\vec v = \lim_{\Delta t \to 0}\frac{\vec d}{\Delta t} $$
Ou seja, quando $\Delta t$ tende a 0, temos a nossa velocidade vetorial instantânea. Por que vimos tudo isso? Bom, discutimos aqui a relação escalar-vetorial entre distância e deslocamento, e entre velocidade escalar e velocidade vetorial; falta ainda discutirmos aceleração, e para isso, precisaremos desta bagagem. Mas este texto está ficando já muito extenso, vamos dar uma descansada e ir pro recreio. Mas o que será que ocorre em uma rotatória de transito mesmo?
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