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Quando a identidade rui

Eu já tinha escrito antes sobre certas inflexões e contradições existentes na nossa militância no Piauí. Mas resumindo, a ausência de uma assistência nacional e a falta de uma política de formação de quadros eficaz fez com que a UJC-PI buscasse resolver seus problemas com as próprias mãos. Com isso, colhemos tantos os frutos dos acertos quanto, principalmente e majoritariamente, dos erros. Aprender com os erros geram inflexões na práxis. Mas, sem a política de formação concretizada, ainda existiam diferentes tipos de práxis na organização cuja atuação parecia concreta apenas na confiança cega de que a pessoa colega camarada seguiria o famoso centralismo democrático. Todes praticavam o centralismo democrático, mas tal qual a centopeia, que sempre caminhou normalmente, começa a tropeçar quando perguntada de como conseguia caminhar com tantos pés, ninguém sabia de fato o que aquela palavra significava. Consigo identificar, em minha opinião, duas alas de interpretação sobre o que era c

(MCU - Parte 1) Discutindo Equações: de escalares a vetores

Leitor(a), não sei até que ponto você teve tempo de observar alguns fenômenos naturais, de forma empírica mesmo. Talvez se lembre, de quando criança, brincar em alguma cadeira giratória, ou constatar - talvez da pior forma possível - que é mais fácil se equilibrar em uma bicicleta quando se está andando do que com ela parada. Talvez também tenha tido a oportunidade de ver uma apresentação de balé e ver que o dançarino, ao abrir os braços, diminui a "velocidade" do seu giro; no ano novo, talvez tenha viajado para o litoral e tentou adivinhar o momento certo para pular a sétima onda, ou simplesmente deitou e observou o céu noturno por horas. 

Também nem precisa ir muito além: Você já conferiu as horas hoje? Ou procurou saber a localização de algum "@"? Ligou um interruptor? Escutou sua música favorita? Fez agachamentos ao exercitar? Bom, certeza eu tenho que seu coração continuou batendo em um "ritmo", e também que você continuou respirando periodicamente ao ler esses parágrafos.

Você pode se perguntar então, o que o movimento dos enormes astros, os sons que eu escuto, a minha respiração, o movimento dos elétrons, etc., tem a ver com Movimento Circular? Bom, mais do que você imagina. Não é a toa que os filósofos naturais do século XVII consideravam-no como o "movimento perfeito".

Grandezas e vetores

 Antes de tecermos todo este debate qualitativo, vamos ter que fazer um trato para empacotarmos nossa bagagem. Vamos fazer uma síntese rasa sobre as grandezas escalares e grandezas vetoriais - que eu acho que os estudantes do ensino médio estão cansados de estudar.

Grandezas físicas são determinadas propriedades de um evento natural que podemos medir. A exemplo, a velocidade de um carro, a intensidade de uma luz, a massa de um saco de arroz, etc. Essas grandezas podem ser "totalmente entendidas" somente por uma quantidade e uma unidade de medida. Quando perguntamos a temperatura do dia, ou pedimos um copo d'água, mais 5 minutos de cochilo, 2 kg de ração de gato, um 'litrão' de Brahma (inclusive quem se sujeitar a isso tem meus parabéns), são questionamentos e pedidos que são completamente compreendidos sem deixar dúvidas sobre a famosa pergunta: "Pra onde?", e quando isso ocorre, essas grandezas são chamadas de escalares.

Pois bem, esse "pra onde?" é a pergunta que gera a cisão entre as grandezas escalares e as vetoriais. Enquanto as grandezas escalares precisam apenas da sua quantidade e unidade de medida, as grandezas vetoriais necessitam obrigatoriamente, além da quantidade e unidade de medida, de uma direção e sentido. Se você me diz que um Peugeot 206 passou a mais de 100 km/h - fora eu lhe dizer que é inacreditável - lhe perguntarei para onde ele foi, em qual sentido e direção. Isso vale para grandezas como posição, deslocamento, força, aceleração, e suas derivadas.

Essa explanação serve para mudarmos a forma de tratamento dessas grandezas que veremos adiante. Em contraste com a Cinemática, onde estuda-se os movimentos sem se preocupar com suas causas, que usa da posição, velocidade e aceleração de forma escalar, para estudar o Movimento Circular Uniforme, precisamos tratá-las como elas realmente são: grandezas vetoriais!

Um adendo necessário: vetores são entes matemáticos que estão inseridos em um espaço vetorial. Estamos acostumados a achar que vetores são letrinhas e setas. Bom, a "seta" é uma representação deste elemento, mas existem outras formas. Funções e matrizes são exemplos de "vetores", porém, essa discussão fica para outro texto (ou para os desafortunados matriculados em Álgebra Linear).

Uniformes e não uniformes

Dizemos que um movimento é uniforme quando a velocidade não varia em um período de tempo; em síntese, quando sua velocidade é constante.

$$ \frac{\Delta v}{\Delta t} = 0 \rightarrow constante $$

Vamos entender essa proposição antes de prosseguir. O símbolo $\Delta$ é usado na Física para significar uma subtração de duas varáveis. Logo, se, por exemplo, temos que $x_1 = 5$ e $x_2 = 10$, o $\Delta$ é igual a $\Delta = x_2 - x_1 = 10 - 5 = 5$. É a variação da variável.

Na equação anterior temos que a divisão $\frac{\Delta v}{\Delta t}$ é igual a $0$. Bom, sabemos que na mecânica clássica o tempo está sempre em progresso e crescendo, então a sua variação sempre será positiva $\Delta t > 0$. Então, a variação da velocidade que deve ser $0$ (afinal, ela é constante), logo se $v_1$ é a velocidade em um instante e $v_2$ é a velocidade em outro instante, $\Delta v = v_2 - v_1$ só pode ser $0$ se $v_1=v_2$.

Do contrário, quando há a variação de velocidade, o movimento deixa de ser uniforme! Agora, de minha opinião pessoal, deixarei de tratar questões como "movimento acelerado retardado, movimento acelerado progressivo, etc." pois acho que é de um decoreba superficial para o aluno do ensino médio.

Talvez detalhamos demais algo que é para ser bem simples. Bom, você decide se foi útil ou não. Prosseguindo, é definido a grandeza aceleração como sendo a variação da velocidade sobre a variação do tempo:

$$ a = \frac{\Delta v}{\Delta t} m/s^2 $$

Logo, se a aceleração é nula, a velocidade não varia (reveja a discussão anterior)! Então podemos afirmar com certeza, que, se $a = 0$, o movimento é uniforme? Bem, se considerarmos a velocidade e aceleração como sendo variáveis escalares, sim; mas já vimos que isso não é bem verdade. Vamos dar um trato nas nossas equações.

Velocidade vetorial

Agora o quadro da situação muda um pouco. Vamos primeiro revisar o que se entende por espaço, velocidade e aceleração na cinemática escalar. Bom, o espaço percorrido é a medida de comprimento do espaço que o corpo realizou, o famoso $\Delta S$ (lembrando que o $\Delta$ simboliza uma subtração das variáveis, então, $\Delta S = S_f - S_i$).

A velocidade média escalar é definida como a divisão entre o espaço percorrido por um determinado período de tempo. $v = \frac{\Delta S}{\Delta t}$. E, sua aceleração escalar é também definida como a variação da velocidade em um determinado período de tempo $a = \frac{\Delta v}{\Delta t}$.

Para estudarmos o MCU - o movimento circular uniforme, não o universo cinematográfico da Marvel - devemos usar grandezas vetoriais, que possuem módulo, direção, e sentido. Módulo é a quantidade numérica da grandeza.

Precisamos então introduzir o conceito de deslocamento. Ao contrário do espaço percorrido $\Delta S$, o vetor deslocamento $\vec d$ é o vetor com origem no ponto inicial e extremidade no ponto final do movimento. As vezes $\Delta S$ e $\vec d$ coincidem, mas eles começam a contrastar em determinados tipos de movimento, como os movimentos circulares.


Agora, por exemplo da imagem acima, se um objeto realiza sua trajetória representada pela linha laranja, $\Delta S$ é o comprimento dessa trajetória, enquanto $\vec d$ é a menor distância entre os pontos finais e iniciais.

Precisamos diferenciar espaço percorrido e deslocamento pois a definição de velocidade e aceleração vetoriais contrastam em relação as escalares:

$$ v = \frac{\Delta S}{\Delta t} \rightarrow escalar $$

$$ \vec v = \frac{\Delta \vec d}{\Delta t} \rightarrow vetorial $$

$$ a = \frac{\Delta v}{\Delta t} \rightarrow escalar $$

$$ \vec a = \frac{\Delta \vec v}{\Delta t} \rightarrow vetorial $$

Ficou ainda difícil de ver na prática né? Vamos a um exemplo. Considere que um corpo em velocidade constante e em movimento circular, completa sua trajetória após mover-se em meia circunferência em $t$ segundos. Qual a sua velocidade escalar $v$ e qual o módulo $\left | \vec v \right | $?

Vamos começar pela velocidade escalar. Ela é definida pela distância percorrida em no período de tempo determinado, $t$ segundos. Qual a distância percorrida? Meia circunferência! Devemos relembrar o comprimento de uma circunferência, que é igual a $2\pi r$, então, a sua metade é $\pi r$:

$v = \frac{\Delta S}{\Delta t} = \frac{\pi r}{t} \space m/s$

Agora, o módulo da velocidade vetorial é dado por $\left | \vec v \right | = \frac{\left | \vec d \right |}{\Delta t}$. O módulo de $\vec d$ é a quantidade que representa a menor distância entre os pontos finais e iniciais. Nesse caso, é o diâmetro da circunferência, ou seja, $2r$. Então:

$\left | \vec v \right | = \frac{2r}{t} \space m/s$

Ficou mais claro a diferença? A velocidade escalar $v = \frac{\pi r}{t}$ é diferente do módulo da velocidade vetorial $\left | \vec v \right | = \frac{2r}{t}$. Tratamos da diferença do módulo - a parte quantitativa do vetor. Mas e quanto a direção e sentido? Tá aí uma boa pergunta.

Vamos desmembrar o nosso vetor velocidade $\vec v$:

$$ \vec v = \frac{\vec d}{\Delta t} $$

perceba que o vetor velocidade $\vec v$ é proporcional  a outro vetor, o vetor deslocamento $\vec d$. Perceba também que $\Delta t$ é uma medida de tempo, e tempo é uma grandeza escalar. Ajeitando um pouco a equação anterior para ficar melhor de visualizar, temos:

$$ \vec v = \left ( \frac{1}{\Delta t} \right ) \cdot \vec d $$

ou seja, temos um número, um escalar, multiplicando um vetor. Se bem lembrarmos das operações que podemos fazer com vetores, quando temos um vetor $\vec b = n \cdot \vec a$, sendo $n$ um escalar qualquer - como $\frac{1}{\Delta t}$ no nosso caso - o vetor $\vec b$ terá como módulo a multiplicação do módulo de $\vec a$ por $n$, mas manterá o mesmo sentido e direção do vetor $\vec a$.

Portanto, o nosso vetor velocidade $\vec v$ tem a mesma direção e mesmo sentido do vetor deslocamento $\vec d$.

Precisamos fazer um adendo importante. A velocidade vetorial que calculamos no exemplo acima foi considerado uma trajetória grande - meia circunferência - e em um período de tempo maior do que $0$, então, temos que destacar que isso é a velocidade vetorial média. Há como saber a velocidade vetorial instantânea em uma trajetória, pois assim, conseguiremos saber o módulo, direção e sentido dela em cada ponto da trajetória. Como fazer isso?

Bom, uma maneira de fazer isso é pegarmos um intervalo de tempo $\Delta t$ muito menor. Mas tão muito menor que ele se aproxima de 0. Ou seja, $t_i$ e $t_f$ (tempo inicial e tempo final, respectivamente) devem ser quase iguais (se precisar, relembre a discussão feita na segunda seção do texto). $1$ segundo pode ser um bom $\Delta t$? Bom ele é, mas a gente sabe que pode ser menor né? Pode ser $0,01$; $0,0001$; mas pode ser ainda menor, como $0,0000\text{... infinitos ...}1$. Vocês já viram onde eu quero chegar né? Quando $\Delta t$ é muito próximo de $0$, temos o nosso "instante". 

E quanto ao deslocamento $\vec d$? Bom, como o tempo decorrido é minúsculo, podemos ver que o móvel também vai andar uma trajetória minúscula, certo? Esta distância $\Delta S$ é tão pequena que quando olhamos de perto a trajetória se aproxima de uma linha reta (próxima figura), ou seja, o deslocamento $\vec d$ e a distância $\Delta S$ coincidem; e $\vec d$ tem a mesma direção e sentido desta parte minúscula e retilínea da trajetória.


Então, podemos dizer que o vetor deslocamento $\vec d$ em cada instante é sempre tangencial à trajetória. E como vimos, o vetor velocidade $\vec v$ instantâneo também tem mesma direção e sentido de $\vec d$, então, ele é também tangencial a trajetória (como na imagem acima). Mas lembre-se, isso só acontece quando $\Delta t$ é minúsculo, no limite de $0$. Podemos até representar como:

$$\vec v = \lim_{\Delta t \to 0}\frac{\vec d}{\Delta t} $$

Ou seja, quando $\Delta t$ tende a 0, temos a nossa velocidade vetorial instantânea. Por que vimos tudo isso? Bom, discutimos aqui a relação escalar-vetorial entre distância e deslocamento, e entre velocidade escalar e velocidade vetorial; falta ainda discutirmos aceleração, e para isso, precisaremos desta bagagem. Mas este texto está ficando já muito extenso, vamos dar uma descansada e ir pro recreio. Mas o que será que ocorre em uma rotatória de transito mesmo?

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