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Quando a identidade rui

Eu já tinha escrito antes sobre certas inflexões e contradições existentes na nossa militância no Piauí. Mas resumindo, a ausência de uma assistência nacional e a falta de uma política de formação de quadros eficaz fez com que a UJC-PI buscasse resolver seus problemas com as próprias mãos. Com isso, colhemos tantos os frutos dos acertos quanto, principalmente e majoritariamente, dos erros. Aprender com os erros geram inflexões na práxis. Mas, sem a política de formação concretizada, ainda existiam diferentes tipos de práxis na organização cuja atuação parecia concreta apenas na confiança cega de que a pessoa colega camarada seguiria o famoso centralismo democrático. Todes praticavam o centralismo democrático, mas tal qual a centopeia, que sempre caminhou normalmente, começa a tropeçar quando perguntada de como conseguia caminhar com tantos pés, ninguém sabia de fato o que aquela palavra significava. Consigo identificar, em minha opinião, duas alas de interpretação sobre o que era c

Espera, vocês lavam a roupa a noite? - Discutindo Equações: Calor Específico

Se você é do interior do país e passou férias no litoral, ou conversa com alguém por lá, provável que já estranhou que alguns costumam lavar e abrir as roupas à noite. Talvez até se surpreendeu mais ainda quando notou que elas realmente estavam secas pela manhã (ou quase). Um dos motivos está relacionado a um evento, de certa forma, simples: o calor específico.


$$ c = \frac{1}{m}\cdot \frac{\Delta Q}{\Delta T} \space \text{J/kg}\cdot \text{K} $$

    Formalmente, calor específico é a quantidade de energia necessária, por massa, para que o corpo eleve sua temperatura em 1 unidade. Destrinchando a equação, vemos algumas variáveis:

  • $m$ é a massa do corpo (Quando se analisa corpos de dimensões macroscópicas; mas é comum também analisar em menor escala, para isso, usa-se o mol).
  • $Q$ é o calor. Calor é a energia térmica em trânsito. É comum haver uma confusão, a princípio, sobre a definição de calor devido ao nosso uso da palavra do dia a dia. Para não confundir, lembre: todo corpo (ou sistemas) possuem sua "energia interna" associada. Uma parte dessa energia interna é térmica. A quantidade, mensura, de transferência de energia térmica de um corpo/sistema para outro é chamada de "calor". Corpos e sistemas não "possuem" calor; na Física, calor é apenas uma mensura quantitativa da transferência de energia térmica.
  • $T$ é a temperatura. É comum usarmos a escala ºC (Celsius), mas lembre que no SI, a unidade de temperatura é K (Kelvin)
    Pois bem, como podem notar, o calor específico é uma grandeza física que mede a "Capacidade Térmica" ($C$), por unidade de massa:

$$ C = \frac{\Delta Q}{\Delta T} $$

Mas a princípio, não cabe aqui detalhar todas as nuances da Termologia. Vamos analisar a equação do calor específico.

Análise discursiva

$$ c = \frac{C}{m} = \frac{1}{m}\cdot \frac{\Delta Q}{\Delta T}$$

    Vamos fixar a Temperatura. Para a definição "elevar sua temperatura em 1 unidade" ser verdadeira: $\Delta T = 1$ K (ou ºC, ou ºF, o que você estiver trabalhando). Também podemos fixar a massa da substância em 1 kg (ou g) Tendo isso fixado, é fácil calcular experimentalmente o calor específico, pois por meio de um calorímetro, conseguimos medir a energia térmica em trânsito $Q$.
    Um adendo rápido: é comum, por motivos históricos, usarmos calorias ($\text{cal}$) em vez do joule ($\text{J}$) para medir o calor, usar a massa em gramas ($\text{g}$) em vez do quilograma ($\text{kg}$) e a temperatura em ºC (Celsius) em vez de K (Kelvin). Então, onde no SI a unidade seria $\text{J/kg}\cdot \text{K}$, pode-se também encontrar em $\text{cal/g}\cdot \text{ºC}$.
Experimentalmente, obteve-se os seguintes valores do calor específico para algumas substâncias:


    Vamos nos focar em duas substâncias. A areia e a água. Observe que, para 1 grama, a água precisa receber 1 caloria (cerca de 4,18 joule) para elevar sua temperatura em 1 ºC, enquanto a areia precisa receber menos, apenas 0,2 caloria (0,84 joule) para 1 grama, elevar sua temperatura em 1 ºC.
    O nosso Sol é uma enorme fonte de luz e calor. Pense numa praia ou um riacho, por exemplo. Perceba que a água é "mais fria" do que a areia. Isso por que a areia precisa receber uma quantidade de calor do Sol muito menor para elevar sua temperatura, do que a água (confira a tabela). É por isso também que ao botarmos café num copo de alumínio, a temperatura do alumínio chega a se igualar rapidamente com a temperatura do café.
    Voltando ao exemplo da praia ou riacho. A água e a areia estão sujeitas a mesma fonte de calor, o Sol. Olhando a tabela anterior, perceba que a água (para 1 g) "armazena" mais calor antes de elevar sua temperatura em 1 ºC do que a areia. Se tirarmos a fonte de calor, o calor armazenado pelas duas substâncias será trocado com o ambiente; logo, como a água "possui muito mais calor armazenado" do que a areia (uso esta expressão puramente para melhorar o entendimento, formalmente, dizemos que o calor absorvido é transferido para o ambiente) para cada 1g, há a impressão de que a água "perde calor" mais lentamente do que a areia. É o que causa o efeito da brisa marítima!
    Tá, mas o que isso tem a ver com as roupas no varal? Bem, se você pensar mais um pouquinho consegue chegar à resposta.
    As cidades litorâneas, e principalmente as ilhas, são rodeadas de grandes massas de água. Durante o dia, a água absorve e "retém muito mais calor", e perde mais lentamente. Ou seja, ela retém uma quantidade maior de calor e o perde mais lentamente, de modo a não elevar tanto a temperatura do ambiente. Ao eliminar a fonte de calor, logo, durante a noite, a água deixa de reter calor, e o perde para o ambiente lentamente, mantendo a temperatura do ambiente mais estável, próxima de como era durante o dia.
    Enquanto no interior dos continentes, rodeados de areia e formações rochosas, estes além de reter menos calor, o perdem muito mais rapidamente do que a água. Assim, durante o dia, a areia que retém pouco calor, o libera rapidamente, fazendo com que a temperatura do ambiente fique elevada. Ao anoitecer, a areia deixa de reter calor, apenas perde este pouco retido para o ambiente mais rapidamente, bem no início da noite, deixando a temperatura do ambiente baixa. Você já deve ter ouvido falar de que no Deserto do Saara, se você não aguentar a temperatura de 50 ºC durante o dia, você não aguentaria os - 10 ºC durante a noite. É este o motivo.
    Este efeito do Saara acontece em pequena escala no interior dos continentes, a amplitude térmica (subtração entre a maior e a menor temperatura registrada de um determinado local) é grande, é "quente" durante o dia, e "frio" durante a noite; enquanto as ilhas e o litoral gozam de uma amplitude térmica menor, com temperaturas amenas durante o dia e a noite.
    Segundo o Instituto Nacional de Meteorologia, durante o mês de Abril, Brasília registrou uma temperatura máxima média de 36,6 ºC, e uma temperatura mínima média de 17,5 ºC (Amplitude de 19,1 ºC!). Já Recife, durante o mesmo mês, registrou uma temperatura máxima média de 30,1 ºC, e uma temperatura mínima média de 22,9 ºC (Amplitude de 7,2 ºC).
    Eu acho que você leitor já deve ter ouvindo falar, ou estudado em geografia, os efeitos de maritimidade e continentalidade. Junto com as chuvas, massas de ar, concentração de gases, e outros fatores, é o calor específico o principal motor do comportamento destes termos.

Concluindo

    Uma vez eu citei aqui que o comportamento da natureza reflete nas nossas ações. O comportamento das substâncias frente a uma fonte de calor, caracterizada por esta simples equação $ c = \frac{C}{m} = \frac{1}{m}\cdot \frac{\Delta Q}{\Delta T}$ é capaz de gerar estranheza entre os costumes de nosso país, que possui extensão continental, sujeito aos efeitos de maritimidade e continentalidade.
    Mas bem, tratamos aqui apenas da relação entre a temperatura ambiente e o calor específico. Mas há um motivo para eu ter exposto ali na tabela algumas outras substâncias. O cobre, por exemplo, é utilizado bastante em componentes eletrônicos, principalmente como condutores. A corrente elétrica pode ser definida como o deslocamento de cargas elétricas em um condutor, e, os pequenos atritos convertem essa energia elétrica em energia térmica em trânsito (calor!). Usando os conceitos que vimos hoje sobre capacidade térmica e calor específico, você consegue elaborar uma resposta sobre por que o cobre é considerado um bom condutor? O alumínio, por exemplo, além de custar menos, possui uma condutividade melhor que o do cobre; mas em contato com o oxigênio ele oxida, aumentando a resistência elétrica (consequentemente, o atrito das as cargas).  Pense um pouco se isso seria um fator de escolha entre o alumínio e o cobre! Mas como será que agiria a prata e o ouro?

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